top of page

SOBRE A DRAMATURGIA

A escrita da Jagunça nasceu de forma despretensiosa. Apossou-se de mim quando me debrucei para escrever, a pedido de uma amiga, uma cena curta com a temática da mulher no universo do jagunço. Mundo onde, historicamente, não há registro da figura feminina. A primeira investida foi buscar a definição etimológica do termo que, para minha surpresa, cujo significado contrariava o sentido usual assimilado a ele, o de criminoso, capataz ou matador de aluguel. Jagunço derivaria do Iorubá Jagun, que equivale soldado. Reza a lenda haver três guerreiros, Jan, Jagun e Ajagunan que lutam pelo bem, a serviço do exército de Oxalá. Uma definição instigante, mas que não me trazia subsídios suficientes para escrever a história, pois interposta a ela me vinha a pergunta “como alguém se torna alguma coisa? Como uma mulher se tornaria jagunça?”. Lembrei, então, de fato ocorrido nos anos setenta, próximo da Fazenda onde nasci, passei minha infância e parte de minha juventude. Uma mulher teve seu marido e, anos depois, seu filho assassinados. O primeiro à noite, a tiro de espingarda, em uma encruzilhada, o outro a pauladas numa briga de bar de uma cidadezinha próxima. Estava ali o embrião que daria sentido à trama da história que relata a transformação de uma mulher simples, Zinha, em uma guerreira, em Jagunça. “Homem marido a gente pode passar sem, mas filho não! Quando foi com meu menino aí turvo”, frase-mote que faz com que a personagem abra seu corpo para Deus e para o Diabo, dizendo precisar da força dos dois para fazer justiça. Contrariamente à história da peça, a verdadeira Zinha não cobrou vingança. Resignou-se em seu mundo, vivendo de plantar subsistência. Incessantemente ouvi a história dessa mulher, quando passava próximo ao local do assassinato de seu marido ou nas rodas de conversas da fazenda. O fato ocorrido, a imensidão da noite no meio rural, os signos, as encruzilhadas, as rezas, as crendices, as histórias, os animais, as pessoas, os sons e cheiros desse mundo de força incomensurável, impuserem o mistério da vida e ditaram o caminho a ser trilhado. O enredo ficcional tecido é, pois, produto desse universo que, desde criança, povoou meu imaginário acrescido da vivência na literatura por mim visitada. Para extrair e trazer para a cena a força viva desse mundo, o texto foi escrito em português coloquial, respeitando os jargões, as expressões, os maneirismos, o vocabulário, o ritmo e entonação da linguagem falada na região de Passabém e São Sebastião do Rio Preto, mundo que me criou, criou a Zinha e a Jagunça.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        Ildeu Ferreira

                                                                         "O sinhô sabe me dizer qual é o tamanho do sertão?"

bottom of page